"A infância é um chão que a gente pisa a vida inteira"

Lya Luft escreveu: “A infância é um chão que a gente pisa a vida inteira.”

E talvez poucas frases traduzam tão bem o que, na psicologia, chamamos de esquemas iniciais desadaptativos.

A Teoria dos Esquemas, desenvolvida por Jeffrey Young, amplia a compreensão dos padrões emocionais e comportamentais que se formam ainda na infância, muitas vezes de maneira silenciosa, mas profundamente enraizada. Segundo essa abordagem, as experiências precoces com figuras cuidadoras moldam nossas crenças centrais sobre nós mesmos, os outros e o mundo.

Cada experiência significativa, de afeto, segurança, rejeição ou crítica, se transforma em uma espécie de marca emocional, um alicerce invisível sobre o qual construímos nossa forma de estar no mundo. Esse é o “chão” de que fala Lya Luft: o território emocional onde aprendemos o que é amar, ser amado, confiar, pedir ajuda, errar e ser acolhido.

Quando crescemos em um ambiente que nos ofereceu presença, validação e segurança, esse chão tende a ser firme, permitindo que caminhemos com confiança e autonomia.
Mas quando o ambiente foi marcado por abandono, rejeição, controle, imprevisibilidade ou críticas excessivas, esse terreno pode se tornar instável.
E, muitas vezes, sem perceber, passamos a reproduzir na vida adulta as mesmas dinâmicas emocionais que um dia nos feriram: os mesmos “buracos” do chão da infância.

Esses padrões repetitivos são os esquemas, que se manifestam como crenças automáticas e reações emocionais intensas, frequentemente desproporcionais ao momento presente, mas coerentes com a dor antiga que os originou.
São vozes internas que dizem:
🩶 “Ninguém vai estar lá por mim.”
🩶 “Preciso ser perfeito para ser amado.”
🩶 “Não posso confiar em ninguém.”
🩶 “Minhas necessidades não importam.”

Essas vozes não são defeitos de personalidade, mas sim estratégias de sobrevivência emocional que um dia fizeram sentido.
A criança que fomos precisou se adaptar, se proteger e encontrar formas de lidar com a dor de não ser plenamente acolhida.

Por isso, compreender nossos esquemas não é um exercício de culpa, mas de compaixão.
É olhar para dentro com curiosidade e ternura, reconhecendo que parte de nós ainda carrega as feridas de uma infância que, de algum modo, buscava amor, segurança e pertencimento.

A psicoterapia, especialmente a Terapia do Esquema, nos ajuda a dar voz a essa criança interior e não para permanecermos presos ao passado, mas para curar o que ficou congelado no tempo.
Acolher essa parte é um gesto de integração: unir o adulto que somos hoje com a criança que um dia precisou ser ouvida.

Entender a infância, portanto, não é reviver o passado, mas cuidar do que ainda vive dentro de nós.
É reconstruir o chão interno com presença, paciência e amor, transformando antigas dores em novas possibilidades de ser e se relacionar.

Porque, afinal, a infância é o chão sobre o qual continuamos aprendendo a caminhar.