Por que é tão difícil sair de um relacionamento que faz mal?

É comum ouvir conselhos do tipo “se está te fazendo mal, por que você não termina?” ou “é só se afastar!”. No entanto, quem já viveu um relacionamento tóxico sabe que sair dele é um processo muito mais complexo do que uma simples decisão racional. Diversos fatores emocionais, psicológicos e até padrões profundamente enraizados tornam essa saída tão difícil.

Uma das principais razões é a dependência emocional. Pessoas emocionalmente dependentes sentem que precisam da validação, companhia e afeto do outro para se sentirem completas ou seguras. Muitas vezes, essa necessidade nasce de histórias passadas marcadas por abandono, insegurança ou falta de amor consistente, criando o que a psicologia chama de esquemas precoces desadaptativos (Young, Klosko & Weishaar, 2008). Esses esquemas, verdadeiras lentes emocionais com as quais enxergamos o mundo, nos fazem acreditar que precisamos do outro para sobreviver emocionalmente, mesmo quando isso custa nossa saúde mental.

Outro fator poderoso é o chamado ciclo de abuso (tensão, explosão, reconciliação e calmaria) que se repete e prende as vítimas. Após episódios de agressão ou desrespeito, momentos de afeto ou “lua de mel” renovam a esperança de mudança, tornando o vínculo ainda mais forte. “O reforço intermitente, típico desse ciclo, é o mesmo mecanismo que mantém vícios. Pequenas doses de amor depois da dor aumentam drasticamente a dificuldade da ruptura” (Walker, 1979). Sentimentos de culpa, vergonha e baixa autoestima tornam-se companheiros constantes, alimentando o ciclo.

Não menos importante é o trauma de apego. A forma como nos vinculamos aos nossos cuidadores na infância influencia profundamente como nos relacionamos na vida adulta. Pessoas que cresceram com figuras inconsistentes, negligentes ou abusivas tendem a aceitar relações prejudiciais como se fossem uma norma. Segundo Bowlby (1988), esses padrões de apego podem nos fazer buscar inconscientemente situações familiares, mesmo que dolorosas, porque são conhecidas. Assim, é comum ouvir quem sofre dizer “no fundo, acredito que mereço passar por isso”, revelando o quanto o passado ainda dita o presente.

A teoria dos esquemas, proposta por Jeffrey Young, ajuda a entender por que repetimos padrões mesmo sabendo que eles nos machucam. Esquemas como abandono, privação emocional, subjugação ou autossacrifício funcionam quase como roteiros automáticos: nos colocam frequentemente em relações em que nossas velhas crenças são confirmadas (“sempre serei deixado”, “meus sentimentos não importam”, “preciso me anular para ser amado”). A saída exige reconhecer esses esquemas e desafiar suas premissas, tarefa difícil sem ajuda profissional.

Sair de um relacionamento tóxico, portanto, não se trata de fraqueza ou falta de vontade, mas de libertar-se de correntes invisíveis criadas ao longo da vida. O apoio de amigos, família e, principalmente, de psicoterapia é fundamental nesse processo. Reconhecer que padrões podem ser transformados é o primeiro passo para uma vida mais saudável e autêntica.

Como escreveu Judith Herman, “a recuperação só se inicia quando as vítimas reconhecem a natureza do abuso e começam a questionar as distorções e mentiras em que acreditaram” (Herman, 1992).

Se você se reconhece nesse texto, saiba: é possível reescrever sua história.

Referências:

  • Young, J. E., Klosko, J. S., & Weishaar, M. E. (2008). Terapia do Esquema: Guia de Técnicas Cognitivo-Comportamentais Inovadoras.

  • Walker, L. E. (1979). The Battered Woman.

  • Bowlby, J. (1988). Uma Base Segura.

  • Herman, J. L. (1992). Trauma and Recovery.